Wilma Rejane
Naquele dia os portões da cidade de Jerusalém não se fecharam, era Páscoa e normalmente a cidade recebia muitos visitantes. Jesus e os onze apóstolos passaram pelos largos portões, atravessaram o vale de Cedrom e se acomodaram em um jardim de oliveiras chamado Getsêmani. Ele costumava se reunir ali com os discípulos, também sozinho, em oração. Era noite, fria e tenebrosa. Jesus pressentia seu flagelo e uma necessidade inadiável de orar. Oito dos apóstolos ficaram pelo caminho, nas proximidades do jardim.Tiago, João e Pedro acompanharam o Mestre sentando-se a apenas alguns metros de distância.
Disse-lhes então: “A minha alma está profundamente triste, numa tristeza mortal. Fiquem aqui e vigiem comigo. Indo um pouco mais adiante, prostrou-se com o rosto em terra e orou: Meu Pai, se for possível, afasta de mim este cálice; contudo, não seja como eu quero, mas sim como tu queres. Então, voltou aos seus discípulos e os encontrou dormindo. Vocês não puderam vigiar comigo nem por uma hora? perguntou ele a Pedro. Vigiem e orem para que não caiam em tentação. O espírito está pronto, mas a carne é fraca.” Mateus 26:38-41
Naquela noite, enquanto Jesus orava expelindo sangue por todos os poros, seus apóstolos dormiam. Eles não suportaram o cansaço físico, tão pouco consideraram a urgência do momento. Seus espíritos se acomodaram ao que a mente lhes oferecia. Queriam repouso. Apesar da dramática situação de Jesus, em nenhum momento nos é dito que Pedro, Tiago e João se assustaram com a cena incomum, se compadeceram, inquiriram Jesus sobre o fato de estar ensanguentado.
Os apóstolos dormiram. Enquanto isso; Jesus transpirou sangue, orou por três vezes e foi auxiliado por anjos (Lucas 22:39 – 46). Eles não viram, foram abatidos pelo desânimo. Não imaginavam Jesus capturado e morto. Não compreendiam o emblema vivido por Jesus naquele jardim: sua intensa aflição e tristeza.
Esse episódio que antecede a crucificação, nos ensina sobre muitas coisas e é abundante a literatura que trata do valor da oração a partir da aflição de Jesus no Getsêmani. Aqui, contudo, destaco a reação dos apóstolos Pedro, Tiago e João, como companheiros de Jesus naquele momento tão decisivo em que a angústia da morte O cercava.
Na tristeza
Muitos de nós temos grande dificuldade em enxergar a dor do outro, a aflição, mesmo tendo sido chamados para participar dela. Quantas vezes estamos tão perto de quem sofre e não percebemos? Quantas vezes, dormimos, quando na verdade deveríamos estar orando? E orando pelo outro, com o outro. Jesus, em sua oração, queria ouvir Deus, insistiu em uma resposta, não cessou sua oração até que o consolo chegou. E a oração de Jesus era por mim e por você. Ele sabia que o calvário se aproximava, precisava se manter confiante para enfrentá-lo: por amor a todos nós (João 3:16).
Jesus poderia orar sozinho, tantas vezes fez isso. Ele tinha comunhão inigualável com Deus, sabia que era ouvido e que não seria abandonado pelo Pai. Mas Jesus quis companhia para sua dor. Ele era o mais forte dos homens, o mais fiel, o mais virtuoso de todos! Contudo: Ele considerou importante ter a companhia de Tiago, João e Pedro, considerou que enquanto seus olhos estivessem fechados em oração, os dos discípulos estariam abertos em intercessão. E tudo quanto dependeu dos homens naquela noite falhou. Apesar disso, Jesus venceu! Venceu não apenas a angústia da morte, mas a própria morte, aleluia!
Muitas vezes somos chamados à angústia, é um momento que se necessita de companhia: alguém que nos escute pelo simples fato de nos amar e querer ajudar. Queremos companhia para nossa dor, pois, dor compartilhada parece se tornar mais leve. Queremos fidelidade na dor porque amigos verdadeiros seriam capazes de compreender o que sentimos sem condenar. Queremos contar com quem não se esconde entre arbustos no jardim das aflições, mas se ajoelha conosco recordando sua fragilidade, consciente de que aflições chegam para qualquer um. No jardim das aflições a dor do outro deve instigar à sensibilidade e vigilância a fim de não se cair em desânimo e desesperança na hora das perseguições e provações de toda sorte.
Pedro, Tiago e João estavam ali no jardim das aflições com um chamado: serem participantes do sofrimento de Cristo. Eles eram a comunidade de cristãos, a igreja que no Novo Testamento é definida como ekklesia = conjunto de cristãos ( Strong 1557). Esta igreja foi chamada a vigiar e orar, não apenas por si mesma, mas também pelo outro. É dever da igreja amparar o que sofre os martírios de uma sociedade doente e turbulenta. A igreja foi chamada ao jardim das aflições, um lugar onde o cálice é amargo, difícil de degustar, contudo: Jesus bebeu esse cálice, até a última gota e Ele será nossa melhor e mais doce companhia nos Getsêmanis na vida.
Amados, não estranheis a ardente prova que vem sobre vós para vos tentar, como se coisa estranha vos acontecesse; Mas alegrai-vos no fato de serdes participantes das aflições de Cristo, para que também na revelação da sua glória vos regozijeis e alegreis.1 Pedro 4:12,13.
Na alegria
Houve um outro momento nas Escrituras em que Pedro, Tiago e João foram chamados a estar a sós com Cristo no local que ficou conhecido como “Monte da Transfiguração”. Ali as vestes de Jesus se tornaram resplandescentes, ali houve esplendor, êxtase e glória pela revelação do sobrenatural. Os três apóstolos desejaram ficar naquele estado para sempre:
Pedro tomando a Palavra disse: Mestre, é bom que estejamos aqui, e façamos três cabanas, uma para ti, outra para Moisés e outra para Elias. Mc 9:5.
Muitos são os que se voluntariam para participar conosco dos momentos de glória. Muitos são os que permanecem acordados, prontos a acampar quando tudo vai bem. A alegria, de fato, é mais convidativa do que a tristeza. Contudo, a igreja não foi chamada apenas para vivenciar o sobrenatural, o êxtase. A igreja não foi chamada à acomodação, ao acampamento das glórias. Foi chamada especialmente para a santidade. Para que isto se concretize, será necessário sofrer. Sofrer as consequências de uma vida que renuncia ao pecado, sofrer a sua cruz ( Marcos 8:34).
A cruz vazia que sustentou o Cristo cheio de amor é a ponte que une continentes: alegria e tristeza, morte e vida, pecado e santidade, arrependimento e perdão, natural e sobrenatural, Deus e homens. Quer seja nos jardins das aflições ou nos montes da transfiguração, oremos e vigiemos recordando de que somos mortais e necessitamos da presença de Cristo em nossos corações. Necessitamos do outro, não apenas como companhia para os momentos de glória, também para os de angústia.
Alegrai-vos com os que se alegram; e chorai com os que choram. Romanos 12:15
Concluindo…
Penso que essa não é uma mensagem fácil para se viver, pois, enfrentar nossas próprias angústias já é um fardo. Os fardos, contudo, podem trazer consigo sementes de vitórias e glória. Não, a glória não está presente apenas nos montes, está também nos jardins das aflições, pois, enquanto os espinhos do lugar permanecem afiados, as flores continuam a exalar beleza e perfume. A angústia de Cristo no Getsêmani evocou os anjos, provocou uma transformação sem igual nos homens. A angústia poderá nos tornar mais fortes e confiantes se ao invés do desânimo praticarmos a oração invocando Cristo.
O sono de Tiago, Pedro e João é muito comum em nós, há homens que lidam melhor com o sofrimento, ao passo que outros se deixam absorver pelas circunstâncias. Jesus, contudo, insistiu em despertá-los ensinando-os que a fraqueza da carne não deve vencer o espírito. Jesus sofreu para nos ajudar a vencer, Ele permaneceu acordado e sóbrio para tomar o cálice que pertencia a nós, por essa causa temos auxílio nas aflições. O auxílio de Cristo está a nossa disposição todos os dias, em qualquer circunstância: “Pois não temos um sumo sacerdote que não seja capaz de compadecer-se das nossas fraquezas, mas temos o Sacerdote Supremo que, à nossa semelhança, foi tentado de todas as formas, porém sem pecado algum.” Hebreus 4:15.
O sofrimento de Cristo no Getsêmani nos ensina a encontrar propósito na dor. Saber que aquele momento não é um fim, mas um meio para crescer e tornar os dias cheios de gratidão. O outro, o amigo, o irmão, o familiar pode ser partícipe de nosso crescimento, mas se algum deles ou todos eles falharem, sejamos nós o instrumento de Deus que os despertará do sono. Muitos homens se tornaram nobres e grandes através do sofrimento, muitos fizeram de suas fraquezas a causa de seu sucesso. Por causa de suas fraquezas, essas pessoas se destacaram ajudando outros a vencer.
Que Deus em sua infinita bondade nos conduza ao crescimento multiplicando em nós o amor, a gratidão, a fé e a sabedoria.
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