Mark Hitchcock
Daniel 9.24-27 é uma das passagens proféticas mais importantes da Bíblia. Ela é a chave indispensável para toda a profecia. Muitas vezes ela foi denominada “a espinha dorsal da profecia bíblica” ou o “relógio de ponto de Deus”. Essa profecia nos comunica que Deus determinou exatamente o cronograma para o futuro de Israel.
A moldura para essa profecia é encontrada em Daniel 9.1-23. O profeta vivia na Babilônia, onde o povo judeu se encontrava exilado por quase 70 anos. Daniel descobriu, através das profecias de Jeremias, que o cativeiro do povo duraria 70 anos. Por isso, nessa passagem, ele confessou os pecados do povo judeu e orou pedindo pela sua restauração. Ele sabia que o tempo de cativeiro estava quase no fim (9.1-2) e, assim, intercedeu pelo povo. Enquanto ele ainda orava, Deus reagiu à sua oração, através do anjo Gabriel (9.21). Daniel 9.24-27 mostra a maneira como Deus atendeu à oração de Daniel. Ao responder a essa oração, Deus foi muito além da retirada do povo da Babilônia. Ele vislumbrou o futuro até à sua restauração definitiva sob o reinado do Messias:
“Setenta semanas estão determinadas sobre o teu povo e sobre a tua santa cidade, para fazer cessar a transgressão, para dar fim aos pecados, para expiar a iniquidade, para trazer a justiça eterna, para selar a visão e a profecia e para ungir o Santo dos Santos. 25 Sabe e entende: desde a saída da ordem para restaurar e para edificar Jerusalém, até ao Ungido, ao Príncipe, sete semanas e sessenta e duas semanas; as praças e as circunvalações se reedificarão, mas em tempos angustiosos. 26Depois das sessenta e duas semanas, será morto o Ungido e já não estará; e o povo de um príncipe que há de vir destruirá a cidade e o santuário, e o seu fim será num dilúvio, e até ao fim haverá guerra; desolações são determinadas. 27 Ele fará firme aliança com muitos, por uma semana; na metade da semana, fará cessar o sacrifício e a oferta de manjares; sobre a asa das abominações virá o assolador, até que a destruição, que está determinada, se derrame sobre ele” (Dn 9.24-27).
Como se pode observar, essa passagem contém muitos detalhes. Para podermos compreender melhor a sua marcante exatidão e o seu significado, vamos dividi-la em 10 tópicos.
Dez pontos para a compreensão das 70 semanas de Daniel
1. Trata-se de semanas-ano
As expressões “semana” ou “pares de sete” se referem a um período de sete anos ou pares de sete anos, cada. Sabemos isso porque o profeta já as considerou como anos em Daniel 9.1-2.
2. O período todo abrange 490 anos
O tempo total coberto é de 490 anos (70 pares de 7 anos, cada, considerando o ano profético de 360 dias).
3. Refere-se ao povo judeu e à cidade de Jerusalém
Os 490 anos estão relacionados ao povo judeu e à cidade de Jerusalém e não à Igreja. O anjo Gabriel disse a Daniel que esse tempo estava determinado “...sobre o teu povo [Israel] e sobre a tua santa cidade [Jerusalém]...” (9.24).
4. A finalidade das 70 semanas
Lemos, em Daniel 9.24, que Deus tinha seis objetivos para esses 490 anos. Os três primeiros se referem ao pecado do homem e os últimos três, à justiça de Deus:
“para fazer cessar a transgressão”;
“para dar fim aos pecados”;
“para expiar a iniquidade”;
“para trazer a justiça eterna”
“para selar a visão e a profecia”;
“para ungir o Santo dos Santos”.
Por ocasião da Sua Primeira Vinda, a morte de Cristo na cruz trouxe o perdão dos pecados, mas Israel somente reconhecerá esse sacrifício quando o Seu povo estiver em contato com a Sua Segunda Vinda e demonstrar arrependimento, ao final das 70 semanas-ano. Os últimos três objetivos relacionados em Daniel 9.24 projetam o olhar sobre o vindouro Reino de Cristo.
5. Quando o relógio começa a funcionar
O relógio profético de Deus, para o período de 70 semanas-ano ou 490 anos, começou a funcionar no dia 5 de março de 444 a.C., quando o rei Artaxerxes, da Pérsia, emitiu a ordem, permitindo que os judeus, liderados por Neemias, retornassem à sua terra para reconstruir a cidade de Jerusalém (Ne 2.1-8).
6. As primeiras 69 semanas-ano ou 483 anos
Do início da contagem regressiva até a Vinda do Messias são 69 semanas-ano (7 + 62), ou 483 anos. Esse tempo exato, constituído de 173.880 dias, abrange o número exato de dias desde 5 de março de 444 a.C. até 30 de março de 33 d.C., no dia em que Jesus teve a Sua entrada triunfal em Jerusalém (Lc 19.28-44). A precisão com que esta profecia foi cumprida é algo inacreditável! Por essa razão, eu a considero a maior profecia de todos os tempos. Ela é uma comprovação esplêndida da inspiração divina da Bíblia.
7. O período intermediário é o da Era da Graça
Até aqui, tudo bem! As primeiras 69 semanas fazem parte da História. No entanto, o que acontece com os últimos 7 anos ou a 70ª semana-ano? Quando Israel rejeitou seu Messias, Deus suspendeu temporariamente o Seu plano para Israel. Assim, há um intervalo de tempo ou uma inserção de duração indeterminada entre a 69ª e a 70ª semana-ano.[1] De acordo com Daniel 9.26, para esse período são profetizados dois acontecimentos especiais:
O Messias será morto (isso se cumpriu em 3 de abril de 33 d.C.);
Jerusalém e o Templo serão destruídos (isso se cumpriu em 6 de agosto de 70 d.C.).
Deus deu um “pause” no seu cronômetro profético ao final da 69ª semana-ano. Atualmente vivemos nesse período de tempo não definido claramente entre a 69ª e a 70ª semana-ano, na Era da Igreja. Esse período terminará quando Cristo arrebatar Sua Noiva – a Igreja – ao Céu. Como a Igreja não existia durante as primeiras 69 semanas-ano – de 444 a.C. até 33 d.C. – faz sentido que ela não esteja presente na Terra durante a última semana-ano. As 70 semanas-ano se referem a Israel e não à Igreja.
8. A aliança do Anticristo e os últimos sete anos
Deus vai destravar o Seu cronômetro profético para Israel depois de ter arrebatado a Igreja para o Céu. Então surgirá o Anticristo e firmará uma aliança ou um acordo com Israel (9.27).[2] Isso sucederá na última, ou seja, na 70ª semana-ano cujo cumprimento ainda está em aberto. Sabemos desse fato porque as primeiras 69 semanas-ano foram literalmente cumpridas até o último dia e estes futuros sete anos também se cumprirão literalmente.
O Anticristo fará um “firme” acordo ou, possivelmente, “obrigará” Israel a fazer uma aliança com ele.[3] Dois acontecimentos no mundo atual indicam que a probabilidade de tal acordo se realizar não está muito afastada. Primeiramente, o Estado de Israel foi restabelecido em 1948, o que tornaria possível a realização de uma aliança com ele pela primeira vez em 1.900 anos. Em segundo lugar, o atual e aparentemente interminável “processo de paz” no Oriente Médio também aponta para a possibilidade desse último acordo. O palco está montado para o aparecimento de um grande líder da Europa que possa garantir a segurança de Israel. Como o mundo está cada vez mais dividido em relação às inquietações no Oriente Médio, um anúncio desses poderia facilmente se tornar uma solução inevitável.
9. O Anticristo rompe a aliança
O Anticristo agirá com falsidade em relação a Israel de um modo nunca visto na História, quebrando o acordo na metade do período (após três anos e meio) e colocará uma imagem repugnante e idólatra de si mesmo no Templo de Deus reconstruído, em Jerusalém (ver Mt 24.21; Ap 13.14-15). Os últimos três anos e meio serão de “grande tribulação”, da qual Jesus falou em Mateus 24.21.
10. O final das setenta semanas-ano
No final da 70ª semana-ano, Deus derrotará o Anticristo (Dn 9.27; ver 2Ts 2.8; Ap 19.20). Isso marcará o final das 70 semanas-ano e o início do Reino Milenar de Cristo. Então estarão cumpridos os seis objetivos de Deus, mencionados em Daniel 9.24 (Ap 20.1-6).
Para uma compreensão ainda melhor dessa profecia fantástica, seguem alguns meios auxiliares.
A profecia sobre um período de 173.880 dias que se cumpriu no dia exato é, de fato, algo excepcional. Por ocasião da entrada triunfal de Jesus em Jerusalém, no dia 30 de março de 33 d.C., cumpriram-se exatamente os dias das primeiras 69 semanas-ano (483 anos). Jesus sabia do significado real desse acontecimento. Olhando para a cidade, Ele disse: “Se você compreendesse neste dia, sim, você também, o que traz a paz!” (Lc 19.42 – NVI). Acrescentou, ainda: “...você não reconheceu a oportunidade que Deus lhe concedeu”(Lc 19.44 – NVI – ênfases acrescentadas pelo autor). Jesus ressaltou “neste dia” e “a oportunidade” diante dos judeus porque Ele era a personificação dessa impressionante profecia na presença deles. O dia da visitação aconteceu exatamente na data anunciada com antecedência, mas o povo judeu perdeu a oportunidade em virtude de sua incredulidade.
Jesus voltará em algum dia – talvez em breve. No futuro acontecerá uma última visitação e esta se dará precisamente dentro do cronograma de Deus.
Estejamos atentos, você e eu, para não perdermos mais esta chance!
Notas
Aqueles que não concordam que haverá um futuro período de Tribulação, durante sete anos, alegam que não existe uma lacuna de tempo entre a 69ª semana-ano, no ano de 33 d.C., e o início da 70ª semana-ano. Afirmam que a última semana aconteceria imediatamente em seguida. É o que diz, por exemplo, Gary DeMar, em End Times Fiction (Nashville: Thomas Nelson, 2001, p. 42-52). No entanto, essa visão possui dois obstáculos inevitáveis. Primeiramente, Daniel 9.26-27 indica claramente um lapso de tempo de, no mínimo, 37 anos entre o término da 69ª e o início da 70ª semana-ano (o período entre a entrada triunfal do Senhor, em 33 d.C. e a destruição do Templo em Jerusalém, no ano 70 d.C.. Em segundo lugar, se não houver nenhuma intercalação entre a 69ª e a 70ª semana-ano, então as 70 semanas-ano findariam por volta de 40 d.C.. Houve algum grande evento nesse ano? Nenhum! DeMar (End Times Fiction, p. 50-51) tenta inserir a destruição de Jerusalém – no ano 70 d.C. – na 70ª semana de Daniel. No entanto, ao fazermos isso, os últimos sete anos precisam ser estendidos por pelo menos 37 anos. A tentativa de adaptar os números de tal modo que se amoldem às nossas próprias suposições não corresponde a uma interpretação sadia da Bíblia.
James Montgomery Boice, um intérprete bíblico, discorda plenamente dessa posição e demonstrou ser necessário considerar uma lacuna de tempo antes dos sete últimos anos da profecia:
“O que acontece com a última semana-ano? O que acontece com os últimos sete anos do período que abrange 490 anos? Isso parece ser um enigma para quase todos, pois, se simplesmente acrescentássemos sete anos ao resultado de nossos cálculos, chegaríamos ao ano 38 d.C. (ou 46 d.C.) e, nesse ano, não aconteceu nada de importante...
No entanto, minha tendência é dar razão aos que consideram esse ponto como uma interrupção do cumprimento da profecia. De acordo com estes, o cumprimento dessa profecia judaica excepcional está suspenso temporariamente enquanto o Evangelho é pregado às nações e até que a Igreja atinja sua plenitude, uma Igreja que abrange pessoas de todas as áreas da vida, de todas as raças e nações. Ao estarem reunidos todos os crentes da Era da Igreja, a profecia será reinstituída a partir da sua última semana-ano, na qual o povo judeu enfrentará grandes sofrimentos e perseguições. Sob essa ótica, a última semana de Daniel coincidiria com o período de 7 anos de sofrimentos que é mencionada em outro local. O fato de Jesus referir-Se ao ‘abominável da desolação’ (Mt 24.15) serve de sustentação para que os acontecimentos de Daniel 9.27 (assim como os de Dn 11.31 e 12.11) não ocorram imediatamente, mas somente no término da Era”.
James Montgomery Boice, Daniel: An Expositional Commentary (Grand Rapids: Zondervan, 1989), p. 109-110. Um comentário abrangente sobre a profecia das 70 semanas-ano de Daniel foi publicado por Thomas Ice: “The Seventy Weeks of Daniel”, in: The End Times Controversy: The Second Coming Under Attack (Eugene, OR: Harvest House, 2003), p. 307-353.
Aqueles que não concordam com a interpretação de cumprimento futuro de Daniel 9.27 acreditam que a aliança, anunciada no texto em referência, não será celebrada pelo Anticristo, mas por Jesus Cristo. Eles são da opinião que a quebra da aliança e o término dos sacrifícios se refira à morte de Jesus Cristo na cruz, no ano 33 d.C.. Isso, no entanto, acarreta dois problemas de difícil solução: 1) A palavra vinculada mais próxima ao pronome “ele”, em Daniel 9.27 é “príncipe que há de vir” de um povo que destruiu o Templo em 70 d.C.. Trata-se de uma clara alusão aos romanos. Jesus não pode ser esse “príncipe”, pois Ele não é romano. Muito antes, trata-se de uma referência ao Anticristo que se levantará do futuro Império Romano reunificado (ver Dn 7.8). Em nenhum lugar da Bíblia há qualquer menção de que Jesus tivesse firmado uma aliança de paz de 7 anos com alguém. Ele viveu em torno de 33 anos, dos quais mais de 3 anos em ministério público. Não há nenhum registro de que Ele tivesse celebrado algum acordo de 7 anos. Na página 258 do Commentary on Daniel (Grand Rapids: Zondervan, 1973) Leon Wood enumera sete motivos convincentes demonstrando que, em Daniel 9.27, “ele” se refere ao futuro príncipe ou Anticristo.
John F. Walvoord, Major Bible Prophecies: 37 Crucial Prophecies that Affect You Today (Grand Rapids: Zondervan, 1993), p. 319.
Um comentário:
otimo estudo!
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