As velas de Shabbat
estavam acesas há poucos minutos. Com a minha filha mais velha, de quase
4 anos, saí de casa para a sinagoga, a menos de 500 metros de
distância. O céu azul do final da tarde, pontilhado de nuvens, tinha uns
tons alaranjados no Ocidente. Senti uma gota de sorte por estarmos
longe de Gaza. Pensei como iriam passar o Shabbat os habitantes da
região costeira de Israel, entre a Faixa de Gaza e Tel Aviv.
Há
dois dias, uma nova guerra começara na região de Gaza e do sul de
Israel. Quer dizer, a guerra nunca tinha realmente terminado. Desde a
retirada militar israelita da Faixa, no Verão de 2005, as cidades
israelitas nas proximidades do território palestiniano eram atingidas
com frequência por mísseis lançados por terroristas palestinianos.
Primeiro os mísseis eram artesanais e com fraca precisão. Com o passar
dos anos e o aumento do tráfico de armas iranianas, líbias e sudanesas
para a Faixa, o arsenal do Hamas tornou-se mais sofisticado, atingindo
cidades cada vez mais distantes.
Na
sexta-feira, pela primeira vez em mais de 20 anos, as sirenes de alarme
soaram em Tel Aviv, desde que Saddam Hussein retaliou a invasão
americana com uma chuva de Scuds sobre Israel. Na tranquilidade de Gush
Etzion, lugares como Tel Aviv, Ashdod ou Ashkelon – onde o soar das
bombas e das sirenes eram agora realidades presentes –, esta nova guerra
parecia, mais uma vez, remota. Um vizinho brasileiro tinha sido chamado
para a base. Um dos 16 mil soldados reservistas convocados para uma
possível operação militar em Gaza. A esposa, com os dois filhos ficou em
casa sem saber a data de regresso do marido. Tanto podem ser alguns
dias, como semanas.
Na sinagoga, como habitualmente era a hora de Kabalat Shabat,
o serviço religioso que marca o início do Shabbat. Sem paciência para
ficar sentada no banco da sinagoga, a minha filha pediu para voltar para
casa. Deixei-a ir, avisando que não podia ir para outro lugar. A
congregação levanta-se para entoar o cântico Lechá Dodi. A meio da
segunda estrofe, o uivo da sirene de alarme soa por toda a aldeia. Não é
um simulacro, como os que acontecem pelo menos uma vez por ano, mas uma
sirene de alarme verdadeira. Alguns dos congregantes continuam a
cantar, outros param sem saber o que fazer. O gabai, responsável pelo
funcionamento da sinagoga, interrompe o serviço e pede para todos
descermos para o andar inferior da sinagoga, conforme indicações do
Serviço de Emergência Civil.
“Onde está a minha
filha? Agora mesmo a mandei para casa e ela está na rua sozinha!”,
pensei alarmado. Olhei para o hall de entrada da sinagoga. Fiquei um
pouco aliviado ao ver que ela ainda não tinha saído. Corri a pegá-la ao
colo e abracei-a forte. O aperto do abraço foi mais para mim do que para
ela, que felizmente não entendia o que se passava. Descemos as escadas
para o andar de baixo, mais seguro e longe das janelas do hall.
– “Porque nós temos de descer as escadas”?, perguntou a menina.
– Este som forte significa que é perigoso, temos de ir para o abrigo. Tentei explicar-lhe a situação.
– O barulho da ambulância?
– Não, chama-se azaká (sirene, em hebraico). Parece o som de uma ambulância, mas não é.
– “Porque nós temos de descer as escadas”?, perguntou a menina.
– Este som forte significa que é perigoso, temos de ir para o abrigo. Tentei explicar-lhe a situação.
– O barulho da ambulância?
– Não, chama-se azaká (sirene, em hebraico). Parece o som de uma ambulância, mas não é.
Na
escuridão, alguns homens continuavam a entoar Lechá Dodi. Tive vontade
de chorar, uma ou duas lágrimas escorreram-me pelo rosto. A sensação de
incerteza é avassaladora. Apertei ainda mais a minha filha. Alguns
minutos depois, ainda um velhinho descia as escadas amparado por um
braço caridoso, a maioria da congregação decidiu voltar para o santuário
da sinagoga. “O Serviço de Emergência Civil diz que devemos esperar 10
minutos antes de voltarmos”, avisou um homem. Ninguém o ouviu. Como os
israelitas gostam de desafiar as regras… O serviço religioso prosseguiu
(quase) como se nada tivesse acontecido. No final, rezamos um salmo
especial, em honra dos soldados israelitas e dos residentes das cidades
sob a mira dos mísseis do Hamas.
Durante
quase todo o Shabbat, despertava-me a cada vez que o vento soprava com
mais força nas árvores das redondezas, pensando tratar-se do início do
uivo de mais uma sirene de alarme. Em todas as casas, o assunto na mesa
de Shabbat foi obviamente a inédita azaká que soara em Gush
Etzion. Uma senhora, que deixara o rádio ligado para poder receber
informações de segurança durante o Shabbat, informou que ouvira que o
míssil tinha caído a Norte de Jerusalém.
Na
manhã seguinte, outros informaram que o míssil caiu na região de
Nokedim, apenas alguns quilómetros a Oriente, no deserto da Judeia.
Vários vizinhos relataram terem visto o rasto de fumo do míssil a cruzar
os céus nas redondezas. No final do Shabbat, busquei nas notícias
informações mais precisas sobre o ocorrido. Confirmou-se a caída do
míssil no deserto da Judeia. Achei inacreditável o ataque. Toda a região
fica rodeada de cidades árabes! Hebron, com 150 mil habitantes fica 25
km a sul. Belém, com 50 mil, e Jerusalém, onde residem mais de 200 mil
Árabes, ficam a menos de 10 km do local atingido.
Não
sabemos o que se vai passar nos próximos dias. Entretanto, outros 75
mil soldados reservistas foram convocados. Uma operação terrestre em
Gaza com infantaria ligeira e pesada é algo extremamente arriscado. O
risco de baixas numerosas no Exército de Israel e o possível sequestro
de soldados é algo que pesa nas decisões dos líderes israelitas. Na
região costeira do país, num raio de até 40 km de Gaza, amanhã não
haverá aulas. Aqui em Gush Etzion, tal como em Tel Aviv, ao contrário de
outras guerras no passado, ninguém pensará desta vez que tudo acontece
lá longe. Afinal, estamos todos no mesmo barco.
Gabriel Canhoto, residente em Israel e autor do Blog : Claramente
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